Na extensa e sinuosa avenida Beberibe, no Recife, uma casa com jardim frondoso é o cenário da infância de várias gerações. Ela também é o ponto de partida deste romance inventivo, que retoma e renova a tradição memorialística brasileira ao lançar mão do recurso fotográfico como parte constitutiva do texto.
Nessa narrativa de filiação parcialmente ficcional, eventos da história do país e da vida pública do Recife - como a perseguição da ditadura militar a seus oponentes e a passagem do Graf Zeppelin em 1930 - se mesclam a lembranças da neta dos donos da casa que, meio século mais tarde, se debruça sobre as relações sociais latentes no seio do próprio lar. Nas palavras de Fabiana Moraes, que assina a orelha do livro, Avenida Beberibe trata de "repressão e alegria, essa dualidade que, de tão presente, foi (e é) feita normal". Na leitura, "vagueamos pelo Brasil e sua hoje mais evidentemente anacrônica arquitetura cotidiana, na qual o quarto da empregada também foi, de tão presente, feito normal. Uma outra repressão, marcada pela cor da pele e convenientemente silenciada".
Guiada por uma sensibilidade que se aproxima da lógica poética, Claudia Cavalcanti expande a avenida para outros tempos e espaços, fazendo correr em paralelo as origens de um menino gaúcho, nos mesmos anos 1970. São dois extremos geográficos, duas famílias diferentes, mas tantas coisas em comum. A narrativa também viaja ao Japão de National Kid, passa por Munique, onde entra na casa do escritor Thomas Mann, recupera um episódio da vida familiar do poeta Paul Celan e corre livre até o bairro de Higienópolis, em São Paulo, onde se esconde uma mulher que manteve uma empregada doméstica escravizada por mais de vinte anos, até ser tema de um podcast que trouxe o caso à tona. O que une essas e outras histórias é a liberdade de uma escritora que passeia por gêneros, idiomas e culturas, mas sempre volta para a casa de sua infância e para as chagas sociais do Brasil.