O racismo em cruzamento com os aspectos heteronormativos-patriarcais e as desigualdades de gênero impactam as relações de afeto constituídas por mulheres negras. Essa interferência tem suas matrizes ancoradas no período escravagista, quando esses corpos femininos foram cruelmente retirados de suas terras e famílias de origem, onde viviam um modo de ser, estar e sentir norteados pelas tradições de afeto e estabilidade emocional apreendidas nas relações com os mais velhos e passadas por gerações. Longe de suas famílias e de sua tradição sociocultural - porque afeto e emoção são constituídos de formas diversas em diferentes territórios - tiveram suas trajetórias afetivas reconfiguradas por povos que sequer lhes enxergavam como humanos. A adaptação a este novo mundo gestou mulheres profundamente feridas, como nos alerta bell hooks, fisicamente e emocionalmente. O silenciamento foi ressignificado. As mulheres negras de hoje carregam a bagagem das dores das mulheres negras de ontem. Ainda assim, enxergam possibilidades nas ausências que tanto as afligem. Ao falarmos sobre isso, ao erguemos as nossas vozes, confrontamos não só o racismo e suas intersecções, mas uma história que tentou nos confinar aos guetos e à marginalização, impedindo-nos de (re)existir. Na Contramão do Afeto é sobre nossas verdades.
(Texto da Autora)