Há quem diga que ciência e arte são opostas ou não se misturam: uma é mensurável, a outra, intuitiva; uma é lógica, a outra, abstrata. Será mesmo? Se nosso cérebro tudo observa, interpreta, cria, sistematiza, assimila e executa, não seriam arte e ciência produtos de um mesmo radical? Os métodos científicos não foram criados por cérebros criativos? Muitos métodos científicos surgiram de forma intuitiva, e passaram por muita improvisação antes de serem sistematicamente organizados. Operar precisamente um tumor cerebral não seria tão belo e perigoso quanto fazer uma acrobacia numa corda bamba? Ou conseguir organizar o código genético, não seria tão complexo e profundo quanto organizar os sons em uma sinfonia? Logo, não seria a ciência uma arte? Uma partitura não é a sistematização de um conhecimento, de forma que este possa ser replicado em qualquer lugar do mundo? Portanto, não seria a arte, de certa forma, também uma ciência?
É na perspectiva de que somos seres integrais e plurais que este livro foi elaborado, com o intuito de abordar um tema ainda pouco visitado: a relação da música com o cérebro. A neurociência visa estudar o sistema nervoso humano no que tange à arquitetura geral (redes sinápticas, vias, metabolismo, etc.) e seu funcionamento em relação à aprendizagem, comportamento e patologias. Tem se tornando uma área presente que dialoga com muitas outras: arqueologia, educação, marketing, design, nutrição, cinema, psicologia, música, dentre outras.
A música nos acompanha desde as protocivilizações. "Somos seres musicais, além de linguísticos", diz o neurologista Oliver Sacks em seu livro Alucinações Musicais. Ou seja, nosso sistema nervoso passou por adaptações ambientais e genéticas, no decorrer do desenvolvimento como espécie, que nos permitiram ter um aparato neurológico capaz de compreender, criar e executar funções refinadas, estando a música em primeiro lugar nessa complexidade cognitivo-emocional e motora. Por tudo isso, a neurociência vem, a cada dia mais, se interessando em compreender como e por que esse fenômeno chamado música tem tanta influência em nosso cérebro.